O Pelourinho Manuelino de Alfeizerão

O pelourinho manuelino de Alfeizerão

1- Descrição e classificação patrimonial
Erguido em Alfeizerão no reinado de D. Manuel I em sequência da outorga do Foral do rei venturoso em 1514, foi derrubado três séculos e meio depois no período conturbado das lutas liberais e reconstruído apenas em 1984-85 junto à igreja paroquial, que não seria, decerto, o local da sua implantação original.
O pelourinho é assim descrito na página da DGPC – Direção Geral de Património Cultural:
«A reconstrução respeita seguramente a tipologia original do pelourinho, quase idêntico ao de Turquel, igualmente antigo couto do Mosteiro de Alcobaça, e muito semelhante a outros da região, como sejam os de Aljubarrota, Maiorga, ou Cela. Sobre soco de três degraus circulares, de parapeito boleado, datando da reconstrução mas seguramente não muito distintos dos quinhentistas, ergue-se o conjunto do fuste, capitel e remate. A coluna assenta sobre um anel ornado com uma fieira de botões, talhado na mesma pedra desse troço do fuste, que faria certamente parte de uma base moldurada de maiores dimensões. O fuste é constituído por dois troços com estrias espiraladas, ambos no mesmo sentido (à direita), com fiadas de quadrifólios entre as caneluras. Os dois troços unem-se ao centro através de um singelo anel liso, da reconstrução. O capitel, sobre um estreito anel liso, é em cesto, envolvido por folhagem de acanto. O remate consta de um corpo tronco-piramidal de base quadrada, ornamentada com flores-de-lis, que figuram igualmente no brasão da ordem de Cister, e decoração vegetalista (cogulhos) em patamares ao longo das arestas, além da representação das duas torres numa das faces».
O pelourinho encontra-se classificado como IIP – Imóvel de Interesse Público desde 1933 (Decreto-lei n.º 23:122 de 11 de Outubro de 1933), nas actualizações da legislação a seu respeito conta-se a proposta 19 de Janeiro de 2007 de integração do pelourinho na “ZEP – Zona Especial de Proteção conjunta das Ruínas dos Panos de Muralha do Castelo de Alfeizerão e do Pelourinho de Alfeizerão”, com parecer favorável; à qual se sucede, a 8 de Fevereiro de 2012 a proposta para a fixação de uma ZEP individual para o pelourinho, a qual mereceu parecer favorável a 29 de Fevereiro do mesmo ano.

2 – Notas históricas e cronológicas
Trata-se de um pelourinho manuelino erguido em sequência do foral do rei D. Manuel de 1 de Outubro de 1514. A data em que foi erguido não é certa. Os forais manuelinos dos coutos de Alcobaça ficaram inconclusos em 1514, porque o mosteiro de Alcobaça embargou-os em alguns capítulos, sendo parcialmente reformados num processo que culminou na sentença régia de 6 de Julho de 1556 (DGA/TT, Feitos da Coroa, Núcleo Antigo, 487). No entanto, presumivelmente, os pelourinhos dos coutos teriam sido levantados até ao final dessa década. A Cela Nova, por exemplo, cujo foral foi entregue às suas autoridades concelhias a 28 de Dezembro de 1516 (em Auto de Entrega realizado em Alfeizerão), teve pelourinho mandado construir pelo abade D. Jorge de Melo, cuja vigência sobre o mosteiro terminou no ano de 1519 (Marques, 2001).
Em 1782, frei Manuel de Figueiredo vê o pelourinho de Alfeizerão num lugar um pouco afastado da Casa da Câmara e cadeia da vila e diz que pela sua figura mostra a sua antiguidade (Coutinho, 2020:8). A sua destruição ocorreu no calor anticlericalista da causa liberal. Nas notas a uma reedição de “Os Pelourinhos do Distrito de Leiria”, uma comunicação apresentada por João Saldanha Oliveira e Sousa em 1935 (Sousa, 2007), assinala-se que ele foi desmontado na sequência de uma deliberação da Câmara Municipal de Alcobaça com a data de 4 de Dezembro de 1866.
Apeado e desmontado (ou partido) o pelourinho, os seus fragmentos permaneceram nas imediações da igreja. Na referida comunicação de João Saldanha Oliveira e Sousa, ele explica que em Alfeizerão, dois dos frades de pedra que limitam o adro da igreja paroquial são tambores da coluna que fazia parte do seu pelourinho – “Bastarão talvez para, por eles, se restituir essa coluna”, diz. Uma foto de um postal da igreja paroquial de Alfeizerão tirada por volta de 1950, mostra as tais duas colunas de pedra referidas pelo Marquês de Rio Maior, que seriam dois troços ou toros do fuste ou coluna do monumento. Na foto, aliás, distinguem-se três frades de pedra e, embora não se consigam perceber os detalhes desses fragmentos de colunas, sabemos, pelas fontes e observando o pelourinho reconstruído, que o fuste do pelourinho fora partido em três troços maiores. No Boletim da Junta de Província da Estremadura, série II, do ano de 1952 (Edição e propriedade da Junta de Província da Estremadura), Mário Guedes Real escreveu um artigo intitulado “Pelourinhos dos extintos concelhos da Estremadura II – Pelourinhos demolidos” no qual menciona o pelourinho de Alfeizerão com uma ilustração dos seus vestígios, sugerindo também a sua reconstrução.
Chega-se o ano de 1966 e Eduíno Borges Garcia vem a Alfeizerão para estudar as duas imagens de pedra que haviam sido encontradas na igreja durante as obras de reconstrução e encontra os fragmentos do pelourinho depositados no cemitério contíguo. Os fragmentos encontrados por Borges Garcia compunham-se de um troço completo (uma “metade”) do fuste ou coluna, ainda que fraturada, e outros dois fragmentos que, juntos, completavam a coluna, e a parte superior com o remate e a pinha. Os degraus da base do pelourinho deveriam ter sido demolidos há muito, e não deixaram vestígios. Do pelourinho propriamente dito, faltava, além de algumas pequenas “lascas” de pedra nesses fragmentos, o soco da base, de onde partia o fuste, e que nunca apareceu. No desenho do pelourinho que acompanha a notícia de Borges Garcia, assinado por A. Cardoso, o pelourinho de Alfeizerão surge-nos com esse imaginado soco da base, inspirado naquele que sobreviveu no pelourinho de Turquel (Garcia, 1975). Rumores vagos afiançam que esse soco de base circular e ornamentado teria sido reutilizado no aparelho de um dos muros do cemitério, mas até á data ainda não foi encontrado.
A reconstrução do pelourinho foi empreendida nos anos de 1984-85 seguindo o criterioso trabalho de Borges Garcia. No ano de 2002, o pelourinho foi derrubado por acidente, guardaram-se as peças que o compunham, e a Junta de Freguesia voltou a montar o pelourinho por “motu proprio” em Setembro de 2005.

3 – O motivo iconográfico das duas torres
Os pelourinhos de Alfeizerão e Turquel são em tudo idênticos como duas peças gémeas de um mesmo canteiro, a única diferença significativa é que num dos lados do remate do pelourinho, o de Alfeizerão exibe o motivo (muito desgastado) de duas torres e o de Turquel uma figura humana, interpretada como o Abade de Alcobaça ou o orago da freguesia, N. Sra. da Conceição.
As duas torres no remate do pelourinho de Alfeizerão foram explicadas por Borges Garcia como simbolizando os castelos de Alfeizerão e de D. Framundo (ou torre de D. Framondo, como escreveu e continua a ser usual). As duas fortalezas possuem uma planta idêntica, uma área semelhante e, sobretudo, ambas se situavam no couto de Alfeizerão e são nomeadas nas demarcações das duas cartas de povoamento do mosteiro – 1332 e 1422.
Uma explicação paralela pode ser aventada, interpretando esse símbolo como uma representação dos castelos de Alfeizerão e Alcobaça, as duas fortalezas dos Coutos. Isto porque ambas as fortalezas possuíam uma alcaidaria-mor da apresentação do Abade do Real Mosteiro de Alcobaça e integravam a linha de defesa do reino na região centro com outros castelos de maior importância, como Óbidos, Leiria e Santarém, linha que protegia qualquer ameaça à capital vinda do norte. A operacionalidade dos dois castelos era, por assim dizer, um assunto de interesse nacional (daí supormos que figurassem no pelourinho régio), e envolvia todos os coutos de Alcobaça. Habitualmente, segundo a Doutora Iria Gonçalves e para os séculos XIV e XV, os concelhos mais litorâneos (Salir do Mato, Alfeizerão, S. Martinho do Porto e Pederneira) acorriam às obras de manutenção e reconstrução no castelo de Alfeizerão, enquanto o castelo de Alcobaça beneficiava do trabalho prestado pelos concelhos mais interiores – Aljubarrota, Évora, Cós, Maiorga, Cela, Alvorninha e Santa Catarina (Gonçalves, 1989).

Fontes:
ALMEIDA, Carlos Casimiro de, ALFEIZERÃO – Apontamentos para a sua História, página 139, edição da Junta de Freguesia de Alfeizerão, 1995
COUTINHO, J. L. (2020) – “Apontamentos Corográficos de Frei Manuel de Figueiredo sobre Alfeizerão, 1782”, acessível em https://www.academia.edu/44227572/APONTAMENTOS_COROGR%C3%81FICOS_DE_FREI_MANUEL_DE_FIGUEIREDO_SOBRE_ALFEIZER%C3%83O
GARCIA, Eduíno Borges, Acerca dos Pelourinhos dos coutos de Alcobaça – Encontro do desaparecido pelourinho de Alfeizerão, Alcobaciana - Colectânea Histórica, Arqueológica, Etnográfica e Artística da Região de Alcobaça, Alcobaça, 1975.
GONÇALVES, Iria, O Património do mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, edição da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1989.
MARQUES, Maria Zulmira Albuquerque Furtado, “ Monumentos dos Coutos de Alcobaça”, in “Roteiro Cultural da Região de Alcobaça – A Oeste da Serra dos Candeeiros”, ADEPA/CMA, Alcobaça, 2001).
SOUSA, João Saldanha Oliveira e – “Pelourinhos do distrito de Leiria: tese apresentada ao 2º Congresso das Atividades do Distrito de Leiria”, Sep. de: “Segundo Congresso das Atividades do Distrito de Leiria”, Reed. Fundação António Vieira Rodrigues/Mosteiro de Alcobaça, 2007.