1 – A fonte
A “Fonte Velha”, denominação consagrada pela voz do povo, surge nos documentos como chafariz (ou “chafaris”) da vila, Fonte da Vila, ou Fonte Antiga, esta patente nos livros de Actas da Junta em finais do século XIX, por exemplo.
Localiza-se na Rua do Relego, na parte sul da vila, a franja mais antiga e histórica da povoação. A frontaria apresenta uma entrada com portal em arco de volta perfeita pelo qual se acede ao interior e ao seu tanque de mergulho e bica em concha, no exterior existe um tanque subsidiário de paredes de pedra. A construção encontra-se coberta por uma abóbada de berço, com o fecho de abóbada saliente onde existe uma peanha cúbica que, por comparação com outras fontes de morfologia similar, poderá ter suportado um elemento decorativo em pedra de cariz heráldico. A fonte encontra-se a cotas inferiores do nível da rua e acede-se a ela por uma escada de degraus de pedra, e muros também de pedra acompanham o caminho e compartimentam o espaço, traçando um pequeno recinto lobular junto a ela.
2 – A sua origem
A Fonte foi construída por efeito de um alvará real de 11 de Abril de 1685 (1), cuja transcrição foi publicada por Sousa Viterbo em 1904 (Viterbo, 1904:386-387). Segundo o teor deste alvará (que partihamos em PDF no final), a vila possuía já uma fonte, mais próxima do rio, mas em virtude de nem sempre ter água e nem sempre estar em bom estado por a danificar as águas e lamas (“nateiro”) do rio, a Câmara de Alfeizerão solicita ao rei que, com o dinheiro que sobejava das sisas, se construísse uma fonte mais afastada do rio e que se aproveitasse o ensejo para executar outras obras necessárias na povoação como reparar os muros do curral do concelho e construir uma parede entre a (hoje desaparecida) ermida do Espírito Santo e a parede de uma casa vizinha para deter as areias que com o vento entulhavam as ruas da vila. É feito pregão para se realizar estas obras e elas são arrematadas por António Rodrigues («António Roiz»), mestre-de-obras de Nossa Senhora da Nazaré, pelo valor de duzentos mil réis.
Sobre este mestre-de-obras, cujo nome completo era António Rodrigues de Carvalho, podemos acrescentar que no período em que constrói a Fonte de Alfeizerão, dirige as obras de ampliação da capela-mor da igreja do Santuário entre 1683 e 1691, tomando também a seu cargo as obras na fonte nova, púlpito e lajeado dessa igreja (Penteado, 1998:156).
3 – Cronologia
No Dicionário Geográfico do padre Luís Cardoso considera-se que a «agua da fonte desta Villa he tepida de Inverno e fria de Verão, e tão delgada, que não consta nesta terra houvesse pessoa que bebendo della, padecesse queixa de pedra» (Cardoso, 1751:278). Cerca de três décadas depois, o cronista Frei Manuel de Figueiredo (Coutinho, p.8) dá-nos conta da sua decadência: «Está em total ruína o seu chafariz: a sua água reputam os naturais [como sendo] de excelente qualidade».
Sobre a degradação do chafariz nesse século, possuímos uma fonte complementar. Em 1788, seis anos depois das notas corográficas manuscritas de Frei Manuel de Figueiredo, uma petição dirigida à rainha (2) pede a sua intervenção em vários problemas que oprimiam o povo da vila, entre eles, a ruína da sua fonte pública, cujo causador tinha sido, alegavam, o Bacharel Agostinho José Salazar. Este, que possuía na vila duas azenhas, os “Moinhos da Calçada”, mudara a vala escoante de uma das suas azenhas e fora encostá-la à vala da fonte que conduzia as águas para o rio e que, tendo ficado esta entulhada, estagnou a água da fonte «em forma de poço enterrado. O que era mau porque não havia na vila outra fonte por onde pudessem beber, nem na sua vizinhança». Pedia o povo da vila que se construísse uma nova fonte na vila, ou que a Coroa citasse o Bacharel para que alterasse a sua vala para que desse também escoamento às águas da fonte pública (Coutinho, 2020:3-5).
A Fonte Velha foi recuperada e continuou a ser usada pela povoação, mas a espaços surgem notícias de obras de manutenção e reparação dessa fonte, quando já havia na vila outras fontes de água potável. Numa acta da Junta de Parochia de Alfeizerão com a data de 19 de Outubro de 1890, o executivo determina pedir à Câmara Municipal de Alcobaça um subsídio para «limpar a fonte antiga e reparar o poço do largo de Santo Amaro» (in “Livro das Actas da Junta de Parochia”, 1884-1891, f. 97v). Em datas mais recentes, foi deliberado pela Junta de Freguesia de Alfeizerão, em Acta da Sessão Ordinária de 15 de Julho de 1949, que se limpe a Fonte Velha desta vila (!) «que abastece de água parte da população da mesma»; na mesma reunião se determina mandar limpar os depósitos do lavadouro e chafariz dos Casais do Norte. Dois meses mais tarde, na Sessão Ordinária de 15 de Setembro de 1949, é mencionada a colocação da bomba manual cujos restos ainda lá se encontram: «Foi deliberado mandar colocar uma bomba na fonte Velha desta vila, tapar e limpar a mesma; ficando desde já autorizado o pagamento com as despesas do mesmo trabalho».
Ficha no SIPA - Sistema de Informação do Património Arquitetónico (Ref.ª PA.00036199): http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=36199
Fontes:
(1) DGA/TT, Chancelaria de D. Afonso VI, liv. 54, fl. 321r
(2) DGA/TT, Ministério do Reino, mç. 648, proc. 42
CARDOSO, Luís (1747) - Diccionario geografico, ou noticia historica de todas as cidades, villas, lugares, e aldeas, rios, ribeiras, e serras dos Reynos de Portugal, e Algarve, com todas as cousas raras, que nelles se encontraõ, assim antigas, como modernas, Lisboa : na Regia Officina Sylviana, e da Academia Real, Tomo I
COUTINHO, J. L. – “Apontamentos Corográficos de Frei Manuel de Figueiredo sobre Alfeizerão, 1782”, acessível em https://www.academia.edu/44227572/APONTAMENTOS_COROGR%C3%81FICOS_DE_FREI_MANUEL_DE_FIGUEIREDO_SOBRE_ALFEIZER%C3%83O
COUTINHO, J. L. (2020) – “A Roda dos Expostos e a fonte da vila de Alfeizerão num documento de 1788”, acessível em https://www.academia.edu/44594653/A_Roda_dos_Expostos_e_a_fonte_da_vila_de_Alfeizer%C3%A3o_num_documento_de_1788
LARCHER, Tito Benvenuto de Sousa (1907) – Dicionário Biográfico, Corográfico e Histórico do Distrito de Leiria, Leiria, p. 230.
PENTEADO, Pedro (1998) – Peregrinos da Memória: O Santuário de Nossa Senhora da Nazaré. 1600-1785, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa.
VITERBO, Sousa (coord.) – Diccionario historico e documental dos architectos, engenheiros e constructores portuguezes ou a serviço de Portugal, v. II, Lisboa, Imprensa Nacional, 1904.
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