O Castelo de Alfeizerão

Caraterização geral

Castelo de planta retangular com cubelos circulares e semicirculares, caraterizado como possuindo uma torre de menagem de planta retangular no lado este da praça de armas. Inicialmente, a muralha de defesa parece ter envolvido apenas o espaço desse recinto erguendo-se em torno dela com as suas seis torres, quatro nos cantos da fortaleza e uma em cada uma dos lados maiores do castelo, a norte e a sul, sendo a entrada inicial na muralha norte (cf. Frei Manuel de Figueiredo, in Leroux, 2020). Sobre a planta original do castelo e a sua provável filiação árabe, importa referir a reflexão de Fernando Branco Correia, que afirma que enquanto tradicionalmente se associava as fortalezas árabes a torres de planta quadrada, mais recentemente tem sido demonstrado que elas podiam compor-se também de torres de planta circular ou semicircular «como é o caso da Aljafería, em Saragoça – e mesmo no território ocidental elas aparecerão bem datadas, em Coimbra, muito provavelmente em época de Almançor, e que está arqueologicamente atestado» (Correia, 2013, 75).
Numa segunda fase, talvez coincidente com as campanhas de obras de que há notícia nos séculos XV-XVI e como uma resposta rudimentar à generalização do uso da artilharia, o castelo é guarnecido por uma muralha barbacã mais baixa nos lados norte e nascente, criando-se aqui a nova porta da fortaleza, defendida por duas novas torres, de planta circular e à cota aproximada dessa barbacã.
A poente, a fortaleza não precisava de grandes providências defensivas por se alcandorar acima de uma fratura quase vertical do terreno, os lados norte e nascente estavam guarnecidos pela barbacã e competia à torre de menagem velar por qualquer aproximação do lado sul, assim como apoiar a defesa da entrada do castelo.

Localização, propriedade e situação patrimonial

O castelo de Alfeizerão localiza-se numa colina de formação jurássica a poente da vila, no concelho de Alcobaça, com as coordenadas 39°30'00.4"N 9°06'39.8"W
É propriedade privada.
Por nunca ter sido sistematicamente escavado, só se encontram visíveis no lado norte três das suas torres com a muralha que as une, e ténues vestígios de muralha a nascente e a sul. Sobre a torre mais a ocidente foi levantado um vértice bolembreano cuja base e topo se encontram respetivamente a 25.78 e a 29.30 m acima do nível do mar.
O monumento encontra-se classificado como SIP – Sítio de Interesse Público e a sua última atualização à luz da legislação foi o anúncio n.º 13711 de 2012 que consagra essa classificação e fixa a sua Zona Especial de Proteção (ZEP).

Contexto

Os castelos de Alfeizerão e Alcobaça eram as duas fortalezas de primeira grandeza dos Coutos, era o Mosteiro que apresentava o seu Alcaide-mor e nas duas cartas de povoamento outorgadas aos povoadores de Alfeizerão, o Mosteiro reserva para si o castelo com as suas entradas, saídas e pertenças. Alfeizerão, como todas as vilas dos Coutos de Alcobaça, tinha um alcaide que era responsável pela administração ou aplicação da justiça, mas possuía também uma alcaidaria-mor; o primeiro alcaide, chamado alcaide pequeno nos documentos, era também apresentado pelo Mosteiro (em algumas das outras vilas era o concelho que o elegia) e podia ser incumbido pelo alcaide-mor de o representar na sua ausência; o alcaide-mor, por sua vez e no caso específico de Alfeizerão, teve como função própria nos séculos XV e XVI a cobrança da dízima do pescado para o Mosteiro, ou a recepção de mercadorias que entravam pelo porto de Alfeizerão (Gonçalves, 1989).
As obras de construção ou manutenção das muralhas e torres do castelo de Alfeizerão eram desempenhadas pelos próprios moradores dos Coutos, que a isso estavam vinculados pela prestação da obrigação da adua ou anáduva. A resistência de algumas das vilas mais interiores, «da banda do sertão», como Aljubarrota ou Cós, em participarem nas obras do castelo de Alfeizerão, motivou uma sentença de D. Afonso V a esse respeito, datada de 13 de Dezembro de 1481, que impõe a esses concelhos a prestação da adua sempre que para tal fossem solicitados (ANTT, Leitura Nova, liv. 23, fl. 91r-92r). No reinado de D. Manuel I persiste a resistência das populações a esse trabalho e, a título de exemplo, no foral manuelino da Cela Nova, essa obrigação é enfatizada: «A qual nos declaramos por este nosso foral haver-se de fazer desta maneira e que os vizinhos e moradores dos ditos coutos sirvam por mandado do abade do dito mosteiro ou de seus oficiais daqui adiante nas obras e muros das ditas suas fortalezas como até aqui fizeram» (Foral da Cela Nova de 1 de Outubro de 1515, f. 14r-14v, CMA – atualizamos a grafia).

Alguns aportes cronológicos

- (Imagina-se que) o castelo fundado pelos muçulmanos em 714 (Larcher, 1933:37) ou 717 (Leal, 1873:117).
- Terá sido conquistada por D. Afonso Henriques em 1148 (Brandão, 1632: f. 185r).
- Na luta dinástica entre D. Sancho II e Afonso III, o Mosteiro de Alcobaça, com as suas duas fortalezas, tomou o partido de D. Afonso III: «Contra os dois castelos, de Alcobaça e de Alfeizerão (que são da Casa, e os alcaides deles postos pelos abades) não lhe foi necessário a El Rei D. Afonso III levantar lança, mas assegurando-se dos Abades de que a todo o tempo que ele se visse na posse pacífica da Coroa, ou por morte ou por desistência do seu irmão D. Sancho, teria à sua obediência os mesmos castelos, e deixou-os estar como em depósito nas mãos dos monges» (Santos, 1710:102-103).
- «No mês de Maio de 1287 sucedeu que fez jornada el-rei D. Dinis de Lisboa para Coimbra e na sua companhia a mesma Rainha Santa e tomaram ambos a via de Alenquer; de Alenquer vieram a Óbidos e daí teve aviso o Abade Dom Frei Martinho da vizinhança das Pessoas Reais, pelo que os foi esperar à sua Vila de Alfeizerão, que é entre Óbidos e Alcobaça. Chegaram a Alfeizerão os dois Reis a 9 do mês de Junho e no Castelo da mesma vila os agasalhou o Abade com o devido esplendor a tanta Alteza; do Castelo abalaram para Alcobaça em 12 de Junho» (Santos, 1710:122 – atualizamos a grafia). Frei Francisco Brandão, na quinta parte da “Monarchia Lusitana” conta essa viagem com palavras idênticas: «[os reis] fizeram a jornada por Alenquer, Torres Vedras e Óbidos; daqui chegaram á vila de Alfeizerão a nove de Junho e nela foram agasalhados no Castelo, que é dos bons daquele tempo, pelo Abade de Alcobaça, D. Martinho, segundo do nome, de cujo Senhorio é aquela Vila (...) De Alfeizerão acompanhou o Abade Dom Martinho a el-Rei e á Rainha até ao Convento de Alcobaça» (Brandão, 1650:124r-124v – atualizamos a grafia).
- Por duas vezes estanciou no castelo o rei D. Pedro I, em Setembro de 1357, quando viajava de Óbidos para Leiria, e em Agosto do ano seguinte, altura em que se redigiu em Alfeizerão o diploma em que o rei entregava o castelo de Montemor-o-Novo a Gonçalo de Alcácer (Machado, 1978).
- O seu filho, o rei D. Fernando I, alojou-se em Alfeizerão em 1375 (a 14 de Outubro) e a 20 de Outubro de 1382 (Rodrigues, 1978). Uma ordenação feita em benefício do Mosteiro e lavrada e assinada quando o rei D. Fernando se encontrava hospedado no castelo de Alfeizerão, é referida sem menção da data por frei Manuel dos Santos, podendo recair numa das datas acima indicadas (Santos, 1710:204).
- Na crise de 1383-85, o Mosteiro de Alcobaça, com os seus domínios, efetivos e fortalezas, tomou o partido de D. João I: das Cortes de Coimbra «partiu também o Abade D. Frei João de Ornelas para as suas terras a se preparar, e sendo já no Mosteiro, primeiro que tudo reformou os seus Castelos, que estavam danificados do ócio da paz, e para fazer mais defensável o de Alcobaça lhe acrescentou a barbacã, que ainda não tinha; juntamente levantou um bom troço de soldadesca que entregou a Martim de Ornelas, seu irmão, com outras muitas prevenções que fez de armas, mantimentos e dinheiro» (Santos, 1710:212).
- «Os abades de Alcobaça residiram muitas vezes nesta fortaleza, na qual estava, a 4 de Janeiro de 1430, D. Estevão de Aguiar. O comendatário D. Henrique o habitou também» (Larcher, 1907:207).
- O rei D. João II alojou-se no castelo de Alfeizerão em Agosto de 1485 (Serrão, 1975), e o seu filho, o infante D. Pedro, também aí estanciou, como nos conta o cronista Rui de Pina. Em 1439, viajando de Coimbra para as Cortes que se iriam realizar em Lisboa, D. Pedro é interpelado em “Alfeizeeram” por um enviado da rainha, que lhe transmite a solicitação da rainha para que regresse sem demora a Lisboa, apresentando o argumento de «a Vila não ser capaz de seu aposentamento, e menos abastante [abastada, com posses] para vos manter” (Pina, 1971).
- Nele terá residido por vezes o cardeal-infante D. Afonso no tempo em que foi Abade do Mosteiro de Alcobaça (1519-1540), quem o afirma é o padre Luís Cardoso no seu Dicionário Geográfico, registando também que ele terá oferecido à paróquia uma imagem do Santo Cristo que era muito venerada no lugar (Cardoso, 1747:279).
- Nos anos de 1532 a 1533, o abade de Claraval, Dom Edme de Saulieu e o seu secretário, frei Claude de Bronseval, iniciam uma viagem pelos mosteiros cistercienses de Portugal e Espanha com o objectivo de comprovarem o cumprimento das regras da Ordem de Cister. Em Portugal, visitam Alfeizerão (a que chamam Lezeram) e o seu castelo durante a viagem entre Óbidos e Alcobaça, pernoitando no castelo entre os dias 10 e 11 de Novembro de 1532. Depois de cruzarem por uma ponte o rio da Mota ou rio chamado Mota («pluviolum nomine Amotte»), atravessam um vale ao pé de “montanhas estéreis” e chegam a Lezeram: «Vimos aí uma fortaleza, que pertence a Alcobaça, para onde os abades têm, por vezes, o costume de se retirar, porque dista apenas duas léguas do mosteiro. Nós fomos aí pobremente alojados e tratados. Deitamo-nos sobre o chão, à maneira do país, e não encontramos carne para nós» (Cocheril, 1986).
- As lacunas documentais sobre o castelo a partir de finais do século XVI parecem documentar o seu progressivo abandono, quer como fortaleza, quer como lugar de residência: «no tempo dos abades comendatários D. José de Almeida, D. José de Ataíde e de D. Fernando de Áustria, se arruinou o edifício da casaria por falta de reparos e ainda a 27 de Junho de 1630 declarou o auto de posse ao novo alcaide-mor que estavam vigadas as casas e a grande com 18 vigas muito fortes capazes de duração» (Larcher, 1907:207). A fonte parece ser a corografia de frei Manuel de Figueiredo, que nos diz que nesse mesmo ano de 1630, na tomada de posse como alcaide-mor interino de Francisco da Silva da Fonseca em nome do seu neto Silvério Salvado de Morais «nas casas que havia dentro e fora do mesmo castelo, só se conservavam as traves, e que as casas de dentro tinham ainda dezoito» (Leroux, 2020:130).
- No sismo de 1 de Novembro de 1755, conforme narra o pároco de Alfeizerão, «caiu muita parte mas sempre lhe ficaram bastantes torres ilesas» (ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 2, n.º 53, f. 469). A iconografia novecentista sobre o castelo, permite constatar que o castelo se manteve relativamente bem conservado até datas muito próximas de nós. Em 1788, frei Manuel de Figueiredo visita-o e faz uma descrição do que ele fora e do estado em que se encontrava (vide o Ficheiro 3, em anexo).

Leituras complementares:

- No Ficheiro 1, uma abordagem sobre os alcaides-mores de Alfeizerão
- No Ficheiro 2, um trabalho sobre o sargento-mor Monteiro de Carvalho, autor da mais conhecida e divulgada gravura do castelo.
- No Ficheiro 3, partilhamos um artigo em que procuramos imaginar como seria a planta do castelo a partir dos seus “retratos” e da descrição de Frei Manuel de Figueiredo. Para a elaboração deste artigo, e só por lapso o omitimos no texto publicado, muito devemos ao nosso colaborador João Taurino, residente em S. Martinho do Porto, que contribuiu com os seus desenhos e opiniões para a perspetiva final (ainda que sempre provisória) expressa no artigo.


Fontes:
BRANDÃO, Fr. António – TERCEIRA PARTE DA MONARCHIA LVSITANA - Que contem a Historia de Portugal desde o Conde Dom Herique, até todo o reinado delRey Dom Afonso Henriques, impressa por Pedro Craesbeck, Lisboa, 1632
BRANDAO, Francisco, Quinta parte da Monarchia lusytana : que contem a historia dos primeiros 23. annos delRey D. Dinis... / escrita pelo Doutor Fr. Francisco Brandão... - Em Lisboa : na officina de Paulo Craesbeeck, 1650.
CARDOSO, Pe. Luís, «Diccionario Geografico ou Noticia Historica de todas as Cidades, Villas, Lugares e Aldeas, Rios, Ribeiras, e Serras dps Reynos de Portugal e Algarve, com todas as cousas raras, que nelles se encontraõ, assim antigas, como modernas», Tomo I, p. 479, Lisboa, na Regia Oficina Sylvana e da Academia Real, 1747.
COCHERIL, Maur (1978) – “Routier des Abbayes Cisterciennes du Portugal”, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian - Centro Cultural Português (2.ª edição, Paris, 1986)
GONÇALVES, Iria – O Património do Mosteiro de Alcobaça nos séculos XIV e XV, edição da Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Lisboa, Julho de 1989
CORREIA, Fernando Branco – “Fortificações de iniciativa omíada no Gharb al-Andalus nos séculos IX e X: hipóteses em torno da chegada dos Majus (entre Tejo e Mondego)”, in
Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (Séculos VI a XVI) – II Simpósio Internacional sobre Castelos. Lisboa, Edições Colibri, 2013.
LARCHER, Jorge das Neves – Castelos de Portugal – Distrito de Leiria , ImprensaNacional de Lisboa, 1933.
LARCHER, Tito Benvenuto de Sousa, «Dicionário Biográfico, Corográfico e Histórico do Distrito de Leiria», Leiria, 1907
LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de – Portugal antigo e moderno : diccionario geographico... , Volume Primeiro, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873.
LEROUX, Gérard, «Frei Manuel de Figueiredo – Memórias de várias vilas e terras dos Coutos de Alcobaça (1780-1781)», Alcobaça, Jornal «O Alcoa», 2020
MACHADO, J. T. Montalvão, “Itinerários de El-Rei D. Pedro I”, volume I (1357-1367), Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1978.
PINA, Rui de Pina, “Crónicas de Rui de Pina”. Lello e Irmão Editora, Porto, 1971.
RODRIGUES, Maria Teresa Campos, “Itinerários de Dom Fernando (1367-1383), Separata de Bracara Augusta, 32 Braga, 1978.
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(José L. Coutinho)